domingo, 2 de janeiro de 2011

Arte: diversidade de soluções

Arte: diversidade de soluções
Helô Pacheco
Há poucos dias li um texto da aula inaugural do diretor Karl Paulnack da Seção de Música,
do Conservatório de Boston, que me tocou bastante. Ele fala sobre a importância da música e aqui
vamos generalizar para a Arte.
dois lados da mesma moeda. A astronomia era vista como o estudo dos relacionamentos entre o
observável, permanente, os objetos externos, e a música eram vista como o estudo das relações
invisíveis, internas, dos objetos ocultos. A música tem uma maneira de encontrar os grandes
pedaços móveis e invisíveis dentro dos nossos corações e almas nos ajudando a descobrir a posição
Segundo ele, “os gregos disseram que música e astronomia eram os
das coisas dentro de nós.”
Podemos pensar que a Arte tem este poder de nos tocar, de possibilitar uma outra maneira de
compreendermos ou observarmos o mundo e a nós mesmos, assim como o de nos expressarmos e
comunicarmos.
Embora as Artes Visuais trabalhem com formas, cores, linhas, espaço - elementos da
linguagem visual, ela também trata das relações invisíveis, internas, dos objetos ocultos. A maneira
como cada artista compõe estes elementos da linguagem dá um caráter único, criativo e inovador à
obra e pode nos remeter a diferentes sentimentos e sensações. Ao vermos uma obra de arte somos
tocados por ela, nos emocionamos, como por exemplo, ao nos depararmos com a obra “O Grito” de
Munch. O sentimento expresso nesta obra pode nos remeter a uma tristeza. Algumas vezes, pode
nos trazer lembranças de algo já vivido, o que nos possibilita rever nossos sentimentos e nossa
relação com o mundo.
A arte propicia a integração entre a cognição (conhecimento), ação, imaginação, percepção e
sensibilidade. Por meio das Artes Visuais a criança expressa e comunica idéias, sentimentos,
sensações, conhecimentos e experiências, colocando-se de modo único, individual, pessoal,
desenvolvendo assim sua poética, seu percurso criador.
A arte, diferentemente das outras linguagens presentes na escola, não tem certo ou errado. A
solução que a criança encontra para produzir ou comentar sobre uma produção ou obra de arte, é
pessoal. Portanto, podemos pensar que a Arte tem este caráter de possibilitar que as crianças se
expressem sem o medo de errar e assim se desenvolvam com segurança, acreditando em seus
saberes, fortalecendo sua auto-estima e sua identidade.
A oportunidade sistemática que a criança tem de mergulhar no campo da linguagem visual é
que possibilita que ela desenvolva seu percurso criador. Podemos observar que crianças que tiveram
mais oportunidade de trabalhar com a linguagem visual - que encontraram professores que
valorizam a arte ou tiveram este estímulo em seu meio familiar - desenvolvem um gosto pela arte e
se expressam com mais facilidade por meio desta. Portanto é função da escola assegurar que as
crianças tenham garantido um período semanal para as Artes Visuais.
Podemos pensar que, assim como no ensino da Língua Portuguesa em que as crianças fazem
uso da língua e se deliciam com a literatura, há o equivalente nas Artes Visuais, em que a criança
conhece obras de arte, visita exposições, aprecia a paisagem, a variação da luz, os detalhes de uma
fachada, as produções dos colegas, o seu próprio trabalho e produz, expressando seus
conhecimentos, tanto em relação à linguagem visual quanto aos de mundo interno e externo.
Também em Artes Visuais podemos dizer que ninguém é capaz de pensar, de refletir sobre
um objeto ausente, porque, assim como os livros e a leitura aproximam as crianças da linguagem
escrita, as obras de arte e a apreciação aproximam a criança da linguagem artística.
Ao trabalharmos a Arte inserida na cultura, conectada com a história da criança, criando
significados, possibilitamos que ela desenvolva sua pesquisa, seu percurso criador. Podemos avaliar
se estamos conseguindo navegar com as crianças pelo universo da arte quando observamos as
produções das crianças no mural da sala de aula e vemos a marca pessoal de cada uma delas, uma
diversidade de soluções encontradas. Isto é, quando vemos um mural com todos os trabalhos iguais
observamos que não há criação e se não há criação não é arte. Pois arte é expressão individual.
Portanto precisamos ficar atentos para que nossas propostas desafiem as crianças para que possam
desenvolver suas pesquisas e encontrar suas resoluções pessoais.
O professor pode pensar em sequência de atividades para que as crianças se apropriem de
determinados conteúdos, como por exemplo, as cores. Podemos colocar como desafio para as
crianças pensarem como os homens das cavernas pintavam. Ao conversarmos sobre isso
aguçaremos a vontade delas de produzirem tintas. Poderemos fazer tinta com terra, com beterraba,
açafrão, com carga de canetinha velha diluída em um pouco de álcool e de água, com anilina
comestível, com estêncil. É importante que elas registrem as receitas das tintas, para que possam
retomar a confecção quando necessário.
Depois de alguns experimentos, é fundamental que cada uma faça sua pintura e que estas
sejam expostas e apreciadas pelos colegas. Neste momento de apreciação podemos enfocar a
relação das cores, como cada criança buscou uma combinação ou usou mais uma cor que outra.
Podemos também observar como conseguiram certos tons ou outras cores e assim passamos para
uma pesquisa de misturas de cores. Novamente propomos que registrem como conseguiram fazer
alguns tons e cores. Ao apreciarmos, não julgamos entre bonito e feio, mas buscamos alguns
critérios para conversarmos sobre as produções, considerando as crianças como capazes de uma
interlocução e de reflexão sobre o seu fazer.
Após a pesquisa de cores, propomos novas pinturas, apreciações e podemos trazer as
imagens da catedral de Rouen do pintor Monet, por exemplo, para que as crianças apreciem como
as cores e as sombras se modificam de acordo com a luz. Depois dessa apreciação lançamos
desafios, como observar a transformação das cores da paisagem de acordo com a claridade do dia.
As crianças podem fazer pinturas ou desenhos de observação e também pesquisar sombras,
marcá-las com giz de lousa no chão ou no papel craft e depois observá-la em outro horário.
Poderão também brincar de criar sombras juntando objetos, corpos. E quem sabe criar um
teatro de sombra?
Ao pensarmos em sequência de atividades damos possibilidades às crianças de se
apropriarem dos conteúdos e desenvolverem suas pesquisas. Quando propus a uma turma de
crianças de cinco anos pesquisarem cores e depois utilizarem as tintas fazendo isogravura, um
menino comentou que passaria tinta branca no isopor para carimbar no papel branco. Todos nós
paramos e observamos; o branco do papel não era o mesmo branco da tinta e isso encantou a todos.
Às vezes, quando ouvimos um comentário das crianças que parece absurdo, temos que
parar, observar, buscar entender a lógica que tem por trás e esperar a solução que ela dará.
Desta forma as crianças avançam na construção de conhecimentos de maneira autônoma.
Agosto de 2009

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