sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

CRIANÇA DE SEIS ANOS E A ESCOLA

CRIANÇA DE SEIS ANOS E A ESCOLA*                       Dayse Gonçalves
A criança de seis anos está numa fase de transição muito importante. Tem demandas que precisam ser consideradas, como o direito de brincar, de criar e de se expressar, de se relacionar e de construir uma alta auto-estima. E também tem o direito de vivenciar, no ambiente escolar, experiências que lhe permitam se aproximar dos saberes construídos socialmente. Aos seis anos, pode-se dizer que muitas crianças já têm alguma experiência escolar. Muitas freqüentaram creches ou berçários, outras passaram por escolas de Educação Infantil. As que não viveram o que chamaríamos de segunda socialização – a primeira diz respeito à experiência familiar - construíram repertório na interação com os adultos e as outras crianças de seu convívio. Por essas razões, todas trazem na bagagem saberes e habilidades e algumas representações sobre “escola”, sobre relação professor-aluno, sobre a relação com outras crianças. Além disso, têm muitas expectativas sobre o que as espera nesse novo espaço educativo. As crianças sabem que lá vão aprender muitas coisas, sendo a mais importante – para elas, obviamente, nesta idade – ler e escrever. Ou, melhor, intensificar a formalização e ganhar autonomia de leitura e escrita uma vez que na aprendizagem não se reduz às crianças de seis anos. Sabem também que enfrentarão muitos desafios, mas anseiam pelo ingresso no 1o. ano com tudo que essa nova etapa de suas vidas e da escolaridade representa. Nós, professores, sabemos também que podemos, com vontade política e planejamento, mostrar às crianças que na escola elas podem muito mais. Podem se relacionar de maneira alegre, construtiva e respeitosa com seus pares e com os adultos. Podem aprender que a palavra, por meio do diálogo, é o melhor instrumento para comunicar sentimentos, desejos e, por que não, conhecimentos. Podem aprender que nesse espaço suas idéias e suas necessidades são respeitadas e com isso têm a chance de construir uma relação muito positiva com o conhecimento.
Esta entrada no Ensino Fundamental – que deveria ser “triunfal”, em todos os sentidos –, certamente marcará a relação da criança com a vida escolar. As primeiras experiências são sempre fundamentais, por essa razão
é preciso que essa etapa seja preparada com cuidado e carinho, tanto por parte dos pais como dos professores. Como vivemos num país gigante em termos de riqueza e diversidade cultural, é preciso considerar o contexto em que as experiências se darão. Tentar trazer para o espaço da escola a larga e rica experiência, hábitos e costumes das crianças e de seus familiares, dando espaço para que re-signifiquem seus valores, enfim, aquilo que os constitui em termos de identidade cultural. Isso pode se traduzir em projetos de trabalho que permitam encontros da família e da escola para trocas e vivências, em valorização das manifestações culturais dentro da comunidade. E como estamos falando de identidade, vale lembrar que dentro da unidade, do coletivo, também encontramos as singularidades de cada indivíduo. Por essa razão, é importante ressaltar que mesmo em se tratando de crianças de mesma idade, sempre lidaremos com a heterogeneidade. Seria, portanto, ideal que a tomássemos a favor das aprendizagens. Num grupo com diferentes repertórios em saberes de toda sorte, é importante garantir a circulação de informações e o intercâmbio. Nós, professores, não podemos esquecer que não somos, afortunadamente, os únicos que ensinamos nossos alunos. Felizmente as crianças aprendem muito umas com as outras. Aprendem a escrever, a falar, a desenhar, a desenvolver habilidades motoras e corporais, a enfrentar os problemas típicos da convivência em grupo, adotando pautas de conduta cada vez mais ajustadas. Num clima de respeito e de ajuda mútua pode-se garantir o avanço de todos. Do ponto de vista da sociabilidade, nesta idade as crianças podem crescer e muito a partir da convivência com outras menores e maiores que elas. Podem se associar livremente nos momentos de brincadeira, quando se encontram no parque ou no pátio, mas podem também, com uma ação planejada, experimentar momentos de troca intensos e construtivos – por exemplo, quando são convocadas a ajudar umas as outras na realização de determinada tarefa, a recitar os poemas que sabem de cor, a cantar suas canções preferidas, a expor parte de sua produção, compartilhando saberes construídos dentro da comunidade escolar, por meio de expressão em muitas linguagens (escrita, artes ou exposições orais).
Para adquirir habilidades sociais é fundamental que os conteúdos de natureza atitudinal (normas, valores e atitudes) e os conceituais, factuais e procedimentais tenham igual peso. Desta forma, é possível “aprender a ser na escola”, para futuramente “saber ser” fora dela, em sociedade, em outros espaços de socialização.
Do ponto de vista motor e da tomada de consciência sobre seus limites e possibilidades, pode-se trabalhar no sentido de fazer com que as crianças vivenciem e valorizem atividades que ampliem e exercitem suas habilidades motoras, o que é fundamental para a saúde, além de desenvolverem bons hábitos em relação à alimentação e à higiene, que se traduzem em cuidado com o próprio corpo. Devem confiar na sua capacidade de perseverar, de enfrentar e de transpor desafios, com segurança e com o apoio e a ajuda de seus professores – que devem, igualmente, confiar na capacidade de seus alunos. Nos primeiros anos de escolaridade, um componente fundamental na relação que se inicia com o conhecimento e a escola é o auto-conceito. Desenvolver uma auto-confiança e uma alta auto-estima é importante para enfrentar e perseverar diante dos muitos desafios que estar na escola representa. Professores, pais e outros adultos significativos têm papel fundamental, porque são seus retornos – em atos e palavras – que dão à criança a possibilidade de construir uma auto-imagem positiva. A escola pode promover muito mais. Nela, as crianças podem se divertir e aprender muito. Podem ainda “viajar” para outros lugares e culturas por intermédio da leitura de literatura e de outros textos. Podem descobrir que dominar a escrita lhes dá a possibilidade de expressar opinião, defender idéias, se comunicar à distância, de conservar saberes e idéias na memória. Podem se interessar genuína e imensamente pelo mundo dos números, por fenômenos da natureza, pelas artes em geral se os desafios que lhes propusermos forem ajustados às suas possibilidades cognitivas e afetivas e se tiverem a certeza de que estaremos lá, a postos, considerando e valorizando suas experiências pessoais e suas hipóteses, oferecendo ajuda de muitas maneiras. Para isso, é preciso mais do que um currículo. É preciso conhecer características importantes dessa faixa etária e ter bons conhecimentos de didática para obter sucesso nas situações de ensino e aprendizagem. Vontade de conhecer e aprender é o que não falta às crianças de seis anos. * Texto publicado no livro Buriti 1 (Ensino Fundamental de nove anos), Projeto Buriti, Editora Moderna

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