segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Dos males, o menor

Entre a repetência em massa e a promoção -automática, social ou qualquer que seja o adjetivo-, fico com a última.
Entre dois males, a prudência recomenda escolher o menor.A repetência em massa é um fenômeno característico de alguns poucos países da América Latina e da África.
Trata-se de uma licença para matar. Basta ser professor e entrar numa escola pública que você adquire tal direito, sem qualquer sanção.
Os índices de reprovação no Brasil são alarmantes –quase 20% dos alunos do ensino fundamental sucumbem anualmente. Isso representa um desperdício superior a R$ 9 bilhões/ano. Imagine esses recursos usados para ajudar o
aluno a aprender!
As evidências são inequívocas -quanto mais jovens os alunos, melhor a performance nos exames, como a Prova Brasil.
Atraso e repetência acabam redundando em círculo vicioso.
Especialmente quem é multirrepetente conclui: "estou atrasado, o professor não gosta de mim, por isso sou reprovado".
Cabe diferenciar a repetência em massa, que se pratica de maneira impune e covarde, no país, com a repetência ocasional, típica de nações europeias e de algumas escolas particulares. Esta deixa marcas, mas tende a surtir efeito, se
usada com parcimônia e fortes justificativas, após esgotar as demais tentativas. E só funciona onde há um contexto social e familiar que compreende e apoia essas medidas para superar problemas, quase sempre passageiros.
Outra forte distorção brasileira é a repetência associada à infrequência escolar. No lugar de obrigar o aluno a frequentar diariamente a escola, a legislação obriga a Folha de S.Paulo - TENDÊNCIAS/DEBATES<br> João Batista Araujo... http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2901201107.htm 1 de 3 29/01/2011 11:28 reprovar o aluno com mais de 25% de faltas, criando, dessa forma, o abuso da infrequência e dissociando promoção de conhecimentos.  Isso não significa, no entanto, que a promoção automática
seja licença para enganar. O risco existe, especialmente se as políticas não são acompanhadas de rigorosos programas de ensino para cada ano e bimestre, avaliações sistemáticas, estratégias de diagnóstico e recuperação paralela e, sobretudo, consequências para os professores, diretores e secretários de Educação.
O fato é que deveria vigorar no Brasil a máxima de que a escola que não conseguisse alfabetizar 95% ou mais dos alunos ao final do 1º ano deveria ser reprovada e poder sofrer intervenção.
Em setembro de 2009, o Instituto Alfa e Beto (IAB) avaliou 350 mil alunos do 2º ao 5º ano, em quase 400 municípios. Do total, 70% eram totalmente analfabetos -não passariam no teste do Tiririca. Mas todos foram promovidos.
Também observamos que os alunos das séries mais avançadas eram menos analfabetos do que os outros. A conclusão é a de que é possível aprender com os alunos mais adiantados.
A aprovação automática retira poder do professor? Talvez.
Mas o que dizer da antiga tradição inglesa de separar as funções de ensino, avaliação e certificação do conhecimento? Por que não voltar a ela? A Prova Brasil, de certa forma, começa a abrir espaço para esse tipo de estratégia.
Vivemos um dilema. Aprovar alunos sem que eles tenham dominado as competências mínimas do currículo de cada ano é fraude; reprová-los é pior. A única saída é ensinar de maneira competente e desenvolver mecanismos preventivos e corretivos, bem como tratamentos alternativos para os que apresentam dificuldades. A pedagogia da repetência precisa ser erradicada e suplantada por uma pedagogia do sucesso. Esse é o desafio que ainda não superamos. Até lá, optemos, sem fanfarras e trombetas, pelo mal menor.

JOÃO BATISTA ARAUJO E OLIVEIRA doutor em educação, é presidente do Instituto Alfa e Beto e autor de "A Pedagogia do Sucesso".
Foi secretário-executivo do Ministério da Educação (1995).

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